Conhecer a Deus envolve muito mais do que simplesmente saber sobre Ele. Em outras palavras, o conhecimento sobre Deus não a mesma coisa que o conhecimento de Deus.
O filosófo Baruch Espinosa (1632-1677) sabia sobre Deus, mas não o conhecia de fato, pois a sua visão sobre Deus era racionalista. Segundo Gilberto Cotrim, Espinosa desenvolveu na sua filosofia um racionalismo radical, que se caracterizou pela crítica às superstições religiosas, política e filosófica. De acordo com Espinosa, “a fonte de toda sua superstição é a imaginação incapaz de compreender a verdadeira ordem do universo (COTRIM, Gilberto. Fundamentos de filosofia, p. 152).
Espinosa escreveu um livro “Ética” para combater essas superstições, e buscou na sua escrita, uma forma de provar essa teoria como numa demonstração geométrica, ou seja, a natureza racional de Deus, que se manifesta em todas as coisas, um Deus imanente que “não está fora do universo, nem dentro do universo, pois ele é o próprio universo”, segundo as palavras de Cotrim fazendo uma referência a fala de Espinosa (pp. 152-153).
Esse entendimento racionalista de Espinosa demonstra um viés de que tudo se torna compreensível pela razão, ou seja, para ele a filosofia seria o conhecimento racional de Deus e “a liberdade humana consistiria na consciência da necessidade” e isso reflete numa negação de que haveria livre-arbítrio, uma vez que para Deus (que se identifica com a natureza) tudo é necessário, e não poderia haver transgressão pois faz parte da natureza divina. Diante disso, Espinosa defendia a seguinte teoria: “a equação Deus, uma natureza, que significa: Deus é a própria natureza criadora universal, e portanto, tudo o que ele defendia estava fundamentado no pensamento de que tudo que existe foi criado por ele e, assim, mantém-se no seu Ser” (p. 152).
Nas palavras de Herman Bavinck sobre Espinosa, que é mencionado em sua obra “Ética” sobre a sua visão panteísta, ele disse: “O panteísmo foi, porém, novamente restaurado à posição de honra na moderna filosofia de Spinoza. Em sua opinião, a substância é eterna e necessariamente a causa eficiente e imanente do mundo; o mundo é a explicação do ser divino, e particulares são os modos pelos quais os atributos divinos de pensamento e extensão são determinados de maneira particular (Bavinck, Herman. Dogmática Reformada. Deus e a Criação, p. 419).
À luz desse argumento, é evidente que Espinosa tinha uma visão contrária à visão de Bavinck, pois Espinosa defendia a filosofia panteísta onde Deus é tudo e tudo é Deus. Espinosa certamente foi a porta de entrada para outros filósofos que também apoiavam essa ideia, onde a filosofia encontrou cada vez mais aceitação e foi elevada, por Schelling e Hegel, como o sistema do século XIX. A doutrina bíblica da criação foi totalmente rejeitada (p. 419).
Bavinck, na sua obra (Dogmática Reformada), disse as seguintes palavras: “A cosmovisão da Escritura é radicalmente diferente. Desde o início o céu e a terra são distintos. Tudo foi criado com uma natureza própria e repousa em ordenanças estabelecidas por Deus. Sol, Lua e estrelas têm sua própria missão exclusiva; plantas, animais e seres humanos são distintos por natureza. Há a mais profusa diversidade e, apesar disso, nessa diversidade, há também um tipo superlativo de unidade. O fundamento tanto de diversidade quanto de unidade está em Deus. Foi ele que criou todas as coisas de acordo com sua sabedoria insondável, que continuamente as sustenta em suas naturezas distintas, que as dirige e governa, mantendo-as com suas energias e leis naturais e que, como o bem supremo e objetivo máximo de todas as coisas, é buscado e desejado por todas as coisas segundo sua medida e modo. Aqui há uma unidade que não destrói, mas mantém a diversidade, e uma diversidade que não existe às expensas da unidade, mas se desenvolve em suas riquezas. Em virtude dessa unidade o mundo pode, metaforicamente, ser chamado de organismo, no qual todas as partes estão conectadas umas às outras e se influenciam reciprocamente. Céu e terra, homem e animal, alma e corpo, verdade e vida, arte e ciência, religião e moralidade, estado e igreja, família e sociedade, e assim por diante, embora sejam todos distintos, não estão separados. Há uma ampla variedade de relações entre eles: um vínculo orgânico, ou, se desejar, um vínculo ético, os mantém juntos” (Vl. 2, pp. 444-445).
É perceptível que a cosmovisão que Bavinck apresenta do conhecimento de Deus é radicalmente contrária ao pensamento de Espinosa sobre o conhecimento de Deus, pois a Escritura aponta que cada coisa têm sua natureza própria e não pode-se dizer que Deus é tudo e tudo é Deus, como acredita Espinosa, mas o contrário disso é verdade, onde Deus é o dono de tudo, e cada coisa criada por ele tem sua natureza própria. Porém, sua essência não é criada como todas as coisas.
O pensamento de Herman Bavinck apresenta uma visão contrária ao pensamento de Espinosa que defendia que Deus e as demais coisas eram a mesma coisa, como vimos acima, pois para Bavinck, a Escritura apresenta um Deus soberano que, embora seja distinto, governa todas as coisas e está presente em todos os lugares, e não presente nas coisas em si. Seu pensamento e conhecimento de Deus estavam apoiados totalmente na revelação de Sua Palavra.
Nas palavras de Bavinck: “Nem a objetividade científica nem o subjetivismo completo são possíveis. Todo conhecimento está arraigado na fé, e, para que a fé seja real, ela deve ter um objeto que não pode ser conhecido. Isso requer uma revelação divina que é mais que um cumprimento de um desejo subjetivo. A religião deve ser verdadeira e fornecer seu próprio caminho para o conhecimento e a certeza” (Vl 1, p.59).
Desta forma, o conhecimento de Deus para Bavinck não estava fundamentado num racionalismo radical, nem na subjetividade científica e nem no subjetivismo completo, mas sim, arraigado na fé, e somente na verdadeira religião, pois é a única que pode oferecer o verdadeiro conhecimento e a certeza que está expressa em todas as coisas, mas não são todas as coisas.
As palavras de J. I. Packer nos trazem uma visão sobre o que de fato é o conhecimento de Deus. Na sua obra O Conhecimento de Deus, ele disse: “Conhecer a Deus é mais do que saber sobre Ele; é entrar em contato com Ele enquanto se revela a você e ser dirigido por Ele à medida que toma conhecimento de você. Saber sobre Deus é uma pré-condição para que se confie nEle (“como crerão naquele de quem não ouviram?” Rom 10:14), mas a extensão do nosso conhecimento a seu respeito não pode servir de medida para a profundidade desse conhecimento. John Owen e João Calvino sabiam mais teologia do que John Bunyan ou Billy Bray, mas quem poderá negar que os últimos conheciam seu Deus tão bem quanto os primeiros? (Os quatro, é claro, eram profundos pesquisadores da Bíblia, o que vale mais que qualquer conhecimento teológico). Se o fator decisivo fosse o conhecimento da doutrina, naturalmente os maiores estudiosos da Bíblia conheceriam a Deus melhor que os outros. Mas não é isso o que acontece; você pode guardar na mente a doutrina correta, sem jamais provar em seu coração as realidades a que se refere; e um simples leitor da Bíblia e ouvinte de sermões que esteja cheio do Espírito Santo desenvolverá um relacionamento mais profundo com seu Deus e Salvador do que homens mais instruídos que se contentem apenas com estarem teologicamente certos. A razão disto é que o primeiro entrará em contato com Deus a respeito da aplicação prática da verdade em sua vida, enquanto o último não terá essa preocupação” (O Conhecimento de Deus, p.31).
Portanto, pensamentos trazem consequências, e por isso, o nosso pensamento deve apoiar-se somente no conhecimento de Deus, verdadeiro e absoluto, pois outros pensamentos que não se apoiam naquilo que a absoluta palavra de Deus diz, certamente serão pensamentos relativos, subjetivos, e cheios de erros.
Por fim, Deus é o criador de tudo, governa todas as coisas, tem a sua própria essência, está livre de influência e não pode ser comparado como se fosse o próprio universo, mas sim, o dono do universo.
(José Junior)
Créditos da imagem: Logos 8
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Recomendação de Leitura:
1. PACKER, J. I. O Conhecimento de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
2. BAVINCK, Herman. A Filosofia da Revelação. Brasília: Editora Monergismo.

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